A bolsinha amarela de gato
De repente, o toque em meu dedo esquerdo fez a mente voar. Retrocedi
as horas, os dias, os anos e, então, me deparei com seis anos de idade na sala
de artesanato no fundo da Igreja São José.
Vi nitidamente os rostos, as mãos, as bocas, os olhos, as
linhas, as lãs, as agulhas, as receitas, as cadeiras, as revistas, as janelas abertas
em mim. Imagens animadas há muito tempo perdidas.
Um quadro vívido de um momento esquecido, onde o sonho não
tinha limites e medos. Vejo uma saia
vermelho-cereja, pernas morenas e aconchegantes. Eram as pernas de minha mãe. Eu
ali sentada no banquinho perto delas, que eram o meu apoio, acalanto e porto
seguro.
As mocinhas frequentavam as aulas de artes manuais, porque na
maioria dos casos suas mães, avós, tias e primas também estavam ali. Era
costume de aquela comunidade suburbana incentivar a tradição do artesanato.
Outras estavam ali, pois era única forma de sair de casa, visto que naquele
tempo não era permitido as “meninas de
família” bater pernas na rua. Logo, era um festival de mulheres falando ao
mesmo tempo, aprendendo simultaneamente crochê, tricô, bordado, flores
artificiais e pintura em tecido.
Minha mãe ensinava crochê e sabia conduzir suas aulas com
maestria. Eu sempre atenta e tinha mãos
efervescentes queria ser uma de suas alunas, mas ela dizia :”- Não dá, você
ainda é muito criança e pode se machucar com a agulha.”. Eu não queria saber, pedi,
implorei, chorei e nada a justificativa era a mesma. Mas um dia, de tanto
insistir, uma de suas alunas cedeu aos meus apelos e, em segredo, me emprestou agulha e linha.
Diante de mim estava
a minha primeira agulha e de um novelo de linha. A agulha era emprestada e velha
e a linha era vagabunda e amarela, mas isso não importava naquele momento, eram
os meus preciosos tesouros. Depois levei um tempo escolhendo a receita, eu queria
fazer tudo, mas a linha era pouca e eu não sabia tecer um ponto ainda. Depois
de tanto pensar,vi um modelo bem legal,
a seguir lancei-me na aventura de fazer a correntinha. Nossa! Olhando
parecia tão fácil, contudo, não me dei por vencida, afinal, se minha mãe podia
fazer eu também conseguiria.
Então resolvi observar mais atentamente as mãos firmes e generosas
de minha mãe. Vi a como ensinava as suas alunas, olhava bem de pertinho, a
seguir corria para o canto e simulava o ponto. Fui tentando errando, acertando,
fazendo, desmanchando e refazendo. Até que um dia para surpresa de minha mãe mostrei
com muito orgulho e medo a minha obra prima a bolsinha amarela de gato.
by Lu Ribeiro
by Lu Ribeiro
Que lindo!
ResponderExcluirFiquei realmente emocionada, a delicadeza e ao mesmo tempo, a precisão de suas palavras e detalhes me fez viajar junto com você. Fiquei até curiosa em saber como era essa bolsinha amarela.
Parabéns