A carta

Abriu o baú com cuidado. O coração bateu um pouco descompassado ao encontrar os rostos amarelados nas fotos esquecidas no passado. No alto dos seus sessenta e cinco anos não esperava sentir sentimentos tão longínquos impressos numa caligrafia bem feita. O papel escrito por caneta tinteiro, ainda continha um odor de saudade. 
Petra acariciou o papel e desdobrou com cuidado. A carta datava 16 junho de 1975...


Querida Petra,
como era de se esperar a vida aqui em Londres é difícil. Saudades da comidinha caseira de Dona Cacá. Lembra que na saída da faculdade íamos almoçar no boteco "São Santo Antônio", aquela feijoada deliciosa. E as caipirinhas e acompanhavam a comilança e as suas risadas. Audíveis para mim nesse instante servem de trilha sonora para aumentar a minha saudade.
Aqui por  vezes olho o Tamisa e suas águas escuras remetem os momentos de medo que passei nesses dois últimos anos aí. Peço-te desculpas, por te colocar em risco devido as minhas ideologias. Aqui não vivo com o medo de ir preso, mas de qualquer forma continuo prisioneiro, pois esse exílio involuntário mata-me um pouco a cada dia.
Espero rever-te um dia. Não me esqueça. Sonho que esses dias de chumbo terminem. Tenho Fé que o futuro será bom e se eu tiver você comigo será a perfeição.
Não te esqueço
 Tom


Petra voltou a realidade, as lágrimas rolaram com  abundância em sua face,  quando o seu neto a interrompeu aos gritos " Vovó, vovó, eu consegui dar o laço no sapato!"
A senhora abraçou o menino e o beijou na testa dizendo "Muito bem, Junior. Vá mostrar para o papai". 
Enquanto o menino saía saltitando do quarto, ela guardou as lembranças exceto a carta, pois resolveu mostrar para sua família um segredo sobre o seu passado, que hoje não se importava em revelar.

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